A prática de exercícios físicos ao ar livre, traz inúmeras vantagens para o corpo e a mente.

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''Nossa história é uma história de domínio do intelecto sobre o corpo, do senhor sobre o escravo, do patrão sobre o trabalhador. Ou seja, sempre de separação entre o corpo e a mente. Vivemos de explorar nossos semelhantes e submeter o trabalho corporal ao intelecto". Freire, João Batista - De Corpo e Alma: o discurso da motricidade / São Paulo, 1.991, cap.I, pág.27.

Música

domingo, 21 de fevereiro de 2010

Uma Viagem da Histórias da Infância às Histórias de Vida, A Partir da Obra "jogos Infantis" de Pieter Brueghel.


Eliane Aparecida Bacocina
Universidade Estadual Paulista
Maria Augusta Hermengarda Wurthmann Ribeiro
Universidade Estadual Paulista


RESUMO


A comunicação apresenta um “recorte” de uma pesquisa realizada na pós-graduação em Educação da UNESP – Rio Claro / SP. Tal pesquisa foi desenvolvida numa sala de aula de educação de jovens e adultos do município de Cordeirópolis / SP, a partir da leitura de obras de arte. O trabalho proposto teve como objetivo o de levar os educandos, em fase de alfabetização a, mediatizados pela linguagem artística, se reportarem às próprias experiências de vida, atribuindo, dessa forma, significado à aprendizagem da leitura e da escrita. Fundamentada no artigo A importância do ato de ler (FREIRE,1993), a pesquisa desenvolveu-se tendo como temas os apontados por Freire na narrativa que faz de sua leitura de mundo: identidade, infância, experiência escolar, família, crenças, medos, aprendizado com as pessoas e trabalho. No momento do desenvolvimento de um desse temas, a infância, destaca-se a obra “Jogos Infantis” (BRUEGHEL, 1560), material que despertou a atenção dos alunos devido às diferenças históricas que evidencia em sua pintura. Nesta obra, o pintor retrata brincadeiras infantis presentes na época em que viveu (séc. XVI), sendo realizadas com crianças daquela época, que muito diferem das crianças de hoje, tanto no que se refere à vestimenta que usavam, quanto na forma como eram vistas, como pequenos adultos. Na obra, nenhuma criança ri, apenas se ocupam da atividade do jogo. A obra levou, dessa forma, os alunos envolvidos na pesquisa a
desvendarem mistérios de duas fascinantes histórias: a história das diferentes visões da infância nas diferentes épocas, e a história da própria infância vivida, além da comparação entre as múltiplas infâncias ali presentes, considerando-se também a composição heterogênea da sala de aula aqui referida, pois contemplou alunos de diferentes idades, portanto, com diferentes vivências, o que possibilitou aos alunos envolvidos compartilharem não apenas experiências, como também novas visões / novos modos de se perceber a infância. No texto apresentado, descreve-se, inicialmente, a obra utilizada como material histórico de leitura, acompanhada de uma breve história da infância no que se refere aos jogos e brincadeiras nela presentes no séc. XVI, a partir da análise de Ariès (1978). Em seguida, busca-se trazer a obra em destaque para os dias atuais, em dois momentos. Num primeiro momento, descreve-se a atividade de leitura da obra, realizada pelos alunos alfabetizandos, no qual, após um momento muito rico de observação e levantamento de hipóteses sobre o conteúdo da pintura, cada um pôde se reportar às experiências de brincadeira vividas na infância, em momento de interlocução com os colegas de grupo. A seguir, exploramos a forma como vem sendo proposto olhar para a infância por Larrosa (2004), como algo que contém uma presença enigmática, que representa o inesperado, contendo em si mesma um novo e verdadeiro início, que não se pode prever nem definir como algo conhecido. Apontamos, por fim, como resultado, a forma como os jogos infantis retratados há mais de quatro séculos por um pintor flamengo ganharam novas leituras e significações nos dias atuais. Acredita-se ter conseguido contemplar, portanto, um dos grandes desafios da História da Educação: tornar viva a História na escola e na sala de aula.


TRABALHO COMPLETO


Se os olhos estão na caixa de ferramentas, eles são apenas ferramentas que
usamos por sua função prática. Com eles vemos objetos, sinais luminosos,
nomes de ruas – e ajustamos nossa ação. O ver se subordina ao fazer. Isso é
necessário. Mas é muito pobre. Os olhos não gozam... Mas, quando os olhos
estão na caixa dos brinquedos, eles se transformam em órgãos de prazer:
brincam com o que vêem, olham pelo prazer de olhar, querem fazer amor
com o mundo.(...) Os olhos que moram na caixa de ferramentas são os olhos
dos adultos. Os olhos que moram na caixa de brinquedos, das crianças. Para
ter olhos brincalhões, é preciso ter as crianças por nossas mestras (ALVES,
2004).



Ao iniciarmos nosso texto, temos a honra de convidar a todos para nos acompanharem em uma viagem pelo tempo e pela história, rumo à infância.
Para participar desta viagem, é necessário, em primeiro lugar, que cada um se permita resgatar os próprios olhos de criança, adormecidos na caixa de brinquedos de sua infância.
O item obrigatório para todos é a coragem de se aventurar, pois, embora nossa viagem siga uma ordem cronológica, o tempo e o espaço são cheios de paradas súbitas e imprevisíveis.
Pedimos também que cada um leve na bagagem as lembranças da própria infância, para brincar com o que vê e olhar com prazer para tudo o que estiver à sua volta nesses caminhos enigmáticos e misteriosos.
Todos a postos.
Nossa máquina do tempo está prestes a decolar.
Apertem os cintos... e boa viagem!

Partida: um retrato da infância


“Temos hoje, assim como no fim do século XIX, uma tendência a separar o
mundo das crianças do mundo dos adultos.” (ARIÈS, 1981, P. 56).



Estamos no século XVI. Na região hoje compreendida na Holanda, vemos um pintor misterioso. Com certeza, um dos mais desconcertantes personagens da história da pintura. Sabemos que seu nome é Pieter. Mas ninguém sabe ao certo seu sobrenome: Bruegel, Breughel ou Brueghel? Ninguém sabe nos informar também sua idade, pois não há certeza se o ano de seu nascimento é 1522, 1525 ou 1528; se sua região natal é Brabante ou qualquer outra dos Países Baixos. Sua vida e sua obra guardam interrogações, mistérios e paradoxos que nem mesmo o tempo conseguiu dissipar. Foi um dos primeiros pintores a ter sua biografia escrita por um contemporâneo, mas as lacunas e imprecisões do trabalho ocupam mais espaço que as certezas.
No entanto,
o aqui e o agora que definem o sentido de sua obra ganham plena existência quando o pintor se propõe a narrar os episódios e as situações de vida cotidiana, com uma preocupação de fazer inveja a um botânico do século XIX. Tendo vivido durante o pleno florescimento renascentista das cidades flamengas, o universo que elegeu para seus quadros foi, porém, o das aldeias rurais e sua cultura marcadamente medieval. Por isso, o que de mais seguro se pode dizer da arte de Pieter Bruegel é que ela constitui o derradeiro – e magnífico – testemunho de um mundo em vias de desaparecimento. Um testemunho que concilia o real e o fantástico, o cotidiano vivido e o imaginário temido. Um depoimento angustiado, mórbido, dilacerante, pessimista. Fiel (BRUEGEL, 1969, prancha II/III).

E isso acontece também no quadro que Pieter, nesse momento em que partimos, acaba de pintar. O título dessa obra é Jogos Infantis. Trata-se de “um verdadeiro estudo antropológico das atividades lúdicas das crianças flamengas do século XVI” (BRUEGEL, 1969, prancha II/III).


Identificado pelo grupo na Aula da Professora Maria Elena -Segunda Feira Dia 08/02/2010.

Brincadeiras visualizadas no quadro acima:

Balança Caixão, Bambole (ARO), Mãe da Mula, Cabra-Cega, Cadeirinha, Cabo de Guerra, Salada Mista, Cada Macaco no seu Galho, Luta, Perna de Pau, Cinco Marias, O Mestre Mandou, Mímica, Cavalinho, Pega-Pega, Trenzinho, Esconde -Esconde, Cambalhota, Barril Gangorra, Malhando Judas,Bolinha de Gude, Arria Chumbo, Pião, Jogos de Tabuleiro, Espada, Trepa-Trepa, Plantando Bananeira, Adivinha, Escravos de Jô, Passa-Passa Três Vezes, Lencinho Branco, Pipa, Quem quer Brincar, Báfo.

Figura 1: Jogos Infantis – Pieter Bruegel (118 x 161 cm; 1560). Kunsthistorisches Museum, Viena.

Segundo um investigador paciente, não há aqui menos que 84 brincadeiras. Algumas delas não existem mais, foram apagadas da memória. Outras existem até hoje, com inúmeras variações. Porém, há algo muito diferente nessa obra. Crianças anônimas, nenhuma delas ri. Assemelham-se a pequenos adultos tristes, que apenas se ocupam de uma atividade. “E são justamente as formas assumidas por essa atividade que movem a atenção do artista” (BRUEGEL, 1969, prancha II/III).
Ao observar atentamente a obra, pode se tornar impossível não ficar em dúvida a respeito de
quem são os personagens nela retratados: adultos ou crianças? É difícil definir, pois, segundo Ariès (1981), “no mundo das fórmulas românicas, e até o fim do século XVIII, não existem crianças caracterizadas por uma expressão particular, e sim homens de tamanho reduzido” (ARIÈS, 1981, P. 51). Ao que tudo indica, “essa recusa em aceitar na arte a morfologia infantil é encontrada, aliás, na maioria das civilizações arcaicas” (ARIÈS, 1981, P. 51). Crianças com aparência de adulto. Adultos em atividade de criança. Não passa desapercebido, esse dualismo, esse paralelo evidenciado pelo pintor entre infância e idade adulta.
O título também é irônico: Jogos Infantis, como se o pintor nos dissesse que jogos são coisas de criança. Mas nem sempre foi assim. Segundo Ariès, era comum, no século XVI, crianças participarem dos jogos dos adultos:


Por volta de 1600, a especialização das brincadeiras atingia apenas a primeira infância; depois dos três ou quatro anos, ela se atenuava e desaparecia. A partir dessa idade, a criança jogava os mesmos jogos e participava das mesmas brincadeiras dos adultos, quer entre crianças, quer misturada aos adultos. Sabemos disso graças principalmente ao testemunho de uma abundante iconografia, pois, da Idade Média até o século XVIII, tornou-se comum representar cenas de jogos: um índice do lugar ocupado pelo divertimento na vida social do Ancien Régime. (...) Inversamente, os adultos participavam de jogos e brincadeiras que hoje reservamos às crianças. Um marfim do século XIV representa uma brincadeira de adultos: um rapaz sentado no chão tenta pegar os homens e as mulheres que o empurram. (...) Logo, podemos compreender o comentário que o estudo da iconografia dos jogos inspirou ao historiador contemporâneo Van Marle: “Quanto aos divertimentos dos adultos, não se pode dizer realmente que fossem menos infantis do que as diversões das crianças”. É claro que não, pois se eram os mesmos!” (ARIÈS, 1981, p. 92-93).

Com o tempo, muitos jogos da corte se transformaram, adaptando-se à realidade infantil e tornando-se brincadeiras de criança, algumas delas, como a cabra-cega, existentes até hoje.


Numa tapeçaria do século XVI, alguns camponeses e fidalgos, estes últimos mais ou menos vestidos de pastores, brincam de uma espécie de cabra-cega: não aparecem crianças. Vários quadros holandeses da segunda metade do século XVII representam também pessoas brincando dessa espécie de cabra-cega. Num deles aparecem algumas crianças, mas elas estão misturadas com os adultos de todas as idades: uma mulher, com a cabeça escondida no avental, estende a mão aberta nas costas (ARIÈS, 1981, p. 93).

Ainda segundo o autor, as cenas medievais “muitas vezes tinham nas crianças suas protagonistas principais ou secundárias”, o que

nos sugere duas idéias: primeiro, a de que na vida quotidiana as crianças estavam misturadas com os adultos, e toda reunião para o trabalho, o passeio ou o jogo reunia crianças e adultos; segundo, a idéia de que os pintores gostavam especialmente de representar a criança por sua graça ou por seu pitoresco (o gosto pitoresco anedótico desenvolveu-se nos séculos XV e XVI e coincidiu com o sentimento da infância “engraçadinha”), e se compraziam em sublinhar a presença da criança dentro do grupo ou da multidão (ARIÈS, 1981, p. 56).

Ao que tudo indica, portanto, não existiam brincadeiras ou jogos de crianças ou de adultos, mas simplesmente brincadeiras e jogos, dos quais todos participavam. Aos poucos, as classes sociais mais abastadas começaram a deixá-los de lado. Porém, nas aldeias retratadas por Brueghel, eles resistiram por mais tempo. Segundo Ariès, “partimos de um estado social em que os mesmos jogos e brincadeiras eram comuns a todas as idades e a todas as classes. O fenômeno que se deve sublinhar é o abandono desses jogos pelos adultos das classes sociais superiores, e, simultaneamente, sua sobrevivência entre o povo e as crianças dessas classes dominantes” (ARIÈS, 1981, P. 124). Em alguns países esses jogos não morreram, apenas passaram por transformações e adaptações, por exemplo, “na Inglaterra, os fidalgos não abandonaram, como na França, os velhos jogos, mas transformaram-nos, e foi sob formas modernas e irreconhecíveis que esses jogos foram adotados pela burguesia e pelo “esporte” do século XIX. (ARIÈS, 1981, P. 124). Nesse contexto, podemos citar também, os tempos atuais, nos quais os esportes se destacam, e entre eles o futebol, que sempre se evidencia entre as atividades cotidianas de crianças e adultos, e tem sua origem nos jogos antigos.


Primeira parada: um livro de histórias


“Pula carniça, menino,
Cinco meninos na praça,
Mais um balão voejando,
Tanta coisa, quanta coisa...”
(ORTHOF, 1987)


Nossa máquina do tempo avançou cerca de quatro séculos. Estamos em 1987. Em quatrocentos anos, a visão a respeito da infância em muito se modificou. Surgiram teorias diversas a respeito do desenvolvimento da criança. A criança não é mais um pequeno adulto, um “homem de tamanho reduzido”, mas sim um ser com características e necessidades muito diferentes das que se tem na idade adulta. A cada dia, surgem materiais que evidenciam um mundo próprio a essas necessidades infantis: brinquedos, livros, vídeos e materiais diversos.

E nossa parada agora é um livro de literatura para crianças.


Seus autores, porém, são dois adultos: Sylvia Orthoff, escritora, e Tato Gost, ilustrador, que, apesar de crescidos, brincam num jogo de fantasia, que têm como cenário a pintura do século XVI: Jogos Infantis. Aqui, o significado a ela atribuído é outro, muito diferente do sentido que o pintor flamengo imaginou na época em que a criou. Quem inicia a brincadeira é Tato, ao recriar a pintura de Brueghel, uma de suas manias. E Sylvia dá continuidade ao jogo, dando vida aos desenhos do marido. Nascem, então, crianças que, à vista de um balão, brincam de pular carniça, e saem em busca de doces. Até o dono da venda entra na brincadeira, fazendo cara feia e, ao final, cara de arrependido, assim como o estranho casal formado pelo gato e pela rata da história.
No final, temos a conclusão: Doce, doce... E quem comeu regalou-se!


Segunda parada: um relato de infância


Daquele contexto faziam parte igualmente os animais: os gatos da família,
a sua maneira manhosa de enroscar-se nas pernas da gente, o seu miado,
de súplica ou de raiva; Joli, o velho cachorro negro de meu pai, o seu mauhumor
toda vez que um dos gatos incautamente se aproximava demasiado
do lugar em que se achava comendo e que era seu – “estado de espírito”, o
de Joli, em tais momentos, completamente diferente do de quando quase
desportivamente perseguia, acuava e matava um dos muitos timbus
516
responsáveis pelo sumiço das gordas galinhas de minha avó (FREIRE,
1983, p.13).



Voltamos seis anos no tempo... Lembranças de infância relatadas por um adulto. Em 1981, ao abrir um congresso de leitura, o educador Paulo Freire ensaia escrever sobre a importância do ato de ler e afirma ter se sentido levado gostosamente, a “reler” momentos fundamentais de sua prática, guardado na memória, desde as experiências mais remotas de sua infância.
Retomando a infância distante, busca a compreensão do seu ato de “ler”o mundo particular em que se movia, e em suas palavras, “até onde não sou traído pela memória - me é absolutamente significativa. Neste esforço a que vou me entregando, re-crio, e re-vivo, no texto que escrevo, a experiência vivida no momento em que ainda não lia a palavra” (FREIRE, 1983, p. 12).
A partir de então, o autor se vê na casa onde nasceu, num cenário rural da infância, no Recife, relembrando as árvores e as sombras dos galhos, bem como os cômodos e o quintal da casa, a natureza, o aprendizado das cores por meio da observação e do gosto dos frutos, as brincadeiras com as árvores e os animais da família. O autor analisa a forma como os “textos”, as “palavras”, as “letras” do contexto vivenciado por ele na infância foi constituindo sua “leitura de mundo” e a forma como os mesmos se encarnavam numa série de coisas, de objetos, de sinais, cuja compreensão ele ia apreendendo por meio de percepções visuais, auditivas, olfativas, como por exemplo, o canto dos pássaros, o assobio do vento, as cores e movimentos das nuvens do céu, a cor das folhagens, o cheiro das flores...
Quanto às brincadeiras, descreve as brincadeiras nas árvores que rodeavam sua casa, relatando que “à sua sombra brincava e em seus galhos mais dóceis à minha altura eu me experimentava em riscos menores que me preparavam para riscos e aventuras maiores” (FREIRE, 1983, p.12). O autor vê, portanto, nas brincadeiras, uma preparação para a vida.
Assim, um adulto revive a infância, assim como certamente muitos outros adultos costumam fazer, embora poucos se dediquem a escrever essa experiência. Esse exercício de reviver o passado, segundo Gonçalves Filho (1988) ao escrever sobre olhar e memória, estabelece uma relação entre o ato de recordar o passado e a inteligência de mundo de cada um:
A memória oferece o passado através de um modo de ver o passado:
exercício de genialidade, onde há, pois, investimentos do sujeito recordador
e da coisa recordada, de maneira que ao termo e ao cabo do trabalho de
recordação já não podemos mais dissociá-los: então fará tanto sentido entre
entender o sujeito a partir do que recordou quanto o que recordou a partir do
modo como o fez. (GONÇALVES FILHO, 1988, p. 99).

Terceira parada: Infâncias revividas


Minha infância foi gostosa, pedalava
Gincana mangueira rio
Ribeirão da Getagima
Maçã
Pato nadando no ribeirão
Saudade dos meus 18 anos.
Rezava na capela.
texto escrito por um aluno de uma sala de aula
de alfabetização de Jovens e Adultos (BACOCINA, 2005, p. 91)



Embaladas pelas recordações, vinte e dois anos se passam. Estamos em 2003, numa sala de aula formada por jovens e adultos de diferentes idades, em fase de alfabetização. Aqui, fundamentadas nos relatos de Paulo Freire, propomos uma retomada a suas leituras de mundo.1 O ponto de partida, ali
Esse trabalho, realizado numa sala de alfabetização de jovens e adultos localizada no município de Cordeirópolis / SP, faz parte de uma pesquisa, apresentada como Monografia de Conclusão no curso de Especialização em Alfabetização da UNESP de Rio Claro / SP (BACOCINA, 2005), e teve como objetivo o de está novamente: Jogos Infantis – Bruegel. A leitura dessa imagem pelos alunos é composta por diversas visões:
- Parece um sanatório: “um jogando água no outro, um puxando o outro.
- Parece mesmo, um sanatório.
- São crianças brincando.
- Se fosse tudo criança, era brincadeira, mas é tudo velho, tudo adulto...
- É verdade, são adultos.
- É o pátio de um colégio de idosos. Porque só tem gente de idade. É um asilo...
- Parece festa de italianos.
- É igual aquela novela que fez, da Itália. Só ta faltando aí uma macarronada.
- É mesmo, porque tem gente de touca, tem freira...
A seguir, contextualizamos a obra e o pintor. A surpresa foi grande, quando souberam que se
tratava de crianças do século XVI, vistas como pequenos adultos. Acreditamos, de certa forma, ter sido possível, neste momento, tornar viva a história na escola e na sala de aula, devido ao interesse demonstrado pelos alunos ao descobrirem que, em outras épocas, existiram outros costumes, bem como outras formas de ver a infância
A seguir, em roda de conversa, elaboramos uma lista com as brincadeiras de infância dos alunos: futebol, cantar, carrinho, esconde-esconde, vôlei, casinha, pião, videogame, boneca, balanço, pular corda, pega-pega, pique bandeira, bicicleta.
Percebemos a satisfação dos alunos ao relembrarem as brincadeiras da infância. Segundo relato de um dos alunos, crescido na zona rural:
- Como no sítio tinha muito serviço, quase não dava tempo de brincar, mas as poucas horas de brincadeira eram tão boas que foi só o que ficou da infância. Naquelas horas, a gente esquecia de tudo, da pobreza, da fome, do cansaço...
Foram possíveis também, durante essa atividade, as trocas entre os alunos mais jovens e os alunos mais velhos, que puderam contar como eram suas brincadeiras nas diferentes épocas. Um dos alunos mais jovens, afirmou nunca ter jogado pião, enquanto alguns dos mais velhos nunca ouviram falar em videogame. Perguntamos a eles se gostariam de combinar um dia para levarem seus brinquedos e trocarem experiências, mas nenhum se interessou. Os mais jovens demonstraram “ficar com vergonha” de brincar com sua idade. Já, para os mais velhos, nas palavras de um deles:
- Ah, não! A brincadeira da infância é boa na lembrança. O tempo de brincar já passou.
Mas todos os alunos mais velhos concordaram ao afirmarem que “as brincadeiras daquela época eram melhores”.
“Hoje tá tudo mudado...”
Tais relatos demonstram como, infelizmente, os jogos, antes tão presentes, inclusive entre os adultos, deixam aos poucos de existir e vão se transformando em brinquedos estáticos, nos quais as crianças não brincam realmente, apenas olham as figuras brincando enquanto apenas apertam um botão, como acontece, por exemplo, no videogame. É triste saber que as gerações mais jovens não conhecem uma brincadeira popular tão conhecida como o pião. Triste também o olhar que se encontra nos mais velhos ao perceberem que “hoje tá tudo mudado”, e que a brincadeira de hoje “não é mais como antes”.
Como coloca Gonçalves Filho, ao citar Bosi:

Hoje, fala-se tanto em criatividade... mas, onde estão as brincadeiras, os
jogos, os cantos e danças de outrora? Nas lembranças de velhos aparecem e
nos surpreendem pela sua riqueza. O velho, de um lado, busca a
confirmação do que se passou com seus coetâneos, em testemunhos escritos
ou orais, investiga, pesquisa, confronta esse tesouro de que é guardião. De
outro lado, recupera o tempo que correu e aquelas coisas que, quando as

levar os educandos a, mediatizados pela linguagem artística, se reportarem às próprias experiências de vida, atribuindo, dessa forma, significado à aprendizagem da leitura e da escrita. Vale citar também que a pesquisa em questão tem continuidade em dissertação em andamento no Mestrado em Educação na mesma universidade, orientada pela profa. Dra. Maria Rosa R. M. de Camargo
perdemos, nos fazem sentir diminuir e morrer (BOSI, In: GONÇALVES
FILHO, 1988, p. 100).

No entanto, a fala de um dos alunos, torna-se marcante por pela sua profundidade, e pode levar a uma reflexão:
“Se fosse tudo criança, era brincadeira, mas é tudo velho, tudo adulto...”
E se fossem mesmo velhos e adultos, não seria brincadeira? O que seria, então?
Loucura, talvez. Uma loucura que poderia estar mais presente nos dias atuais, possibilitando, quem sabe, o resgate de um humanismo esquecido...

Para onde vamos agora? Um convite...

Se o reconhecimento e a apropriação podem produzir imagens da infância
segundo o modelo da verdade positiva, a experiência do encontro só pode
ser transmutada numa imagem poética, isso é, numa imagem que contenha
a verdade inquieta e tremulante de uma aproximação singular ao enigma
(LARROSA, 1998, p. 197).


Essa é a última parada que fazemos juntos. Encerramos nosso texto por aqui. Mas, apesar do fim das letras e palavras aqui presentes, esperamos que a viagem não termine. O próximo destino, as próximas paradas, quem define é cada um dos leitores que se dispuseram a dela participar. Temos certeza de que muitos já realizaram suas próprias pausas em meio às paradas propostas, acrescentando suas próprias lembranças, realizando sua viagem peculiar em meio às letras aqui presentes, e talvez até discordando do que foi escrito. Alguns, talvez, ainda farão essas paradas a partir daqui. Para a autora da pesquisa aqui citada, o próximo destino já está em curso, na pós-graduação em nível de Mestrado, junto a um grupo de educadores, convidados também a viajar pelas suas próprias experiências de vida, formação e práticas educativas, e pelos jogos presentes em cada um desses aspectos. Ali está novamente, entre tantas outras imagens, a obra de nosso conhecido Pieter, e seus Jogos Infantis, como pontos de partida.
Como já dissemos, cada um dos tripulantes aqui presentes, com seus infinitos modos de ler, realizará uma diferente viagem daqui em diante. Deixamos aqui, como inspiração para o destino escolhido, uma nova visão da infância, proposta por Larrosa (1998). Para o autor as crianças são “seres estranhos dos quais nada se sabe” (LARROSA, 1998, p.183). Mas ao mesmo tempo, em que não se conhece a infância, é possível

abrir um livro de psicologia infantil e saberemos de suas satisfações, de seus
medos, de suas necessidades, de seus peculiares modos de sentir e de
pensar. (...) Temos bibliotecas inteiras que contêm tudo o que sabemos das
crianças e legiões de especialistas que nos dizem o que são, o que querem e
do que necessitam em lugares como a televisão, as revistas, os livros, as
salas de conferência ou as salas de aula universitárias. (...) E se nos
dedicarmos a conhecer pessoas, encontraremos logo multidões de
professores, psicólogos, animadores, pediatras, trabalhadores sociais,
pedagogos, monitores, educadores diversos e todo tipo de gente que
trabalha com crianças e que, como bons especialistas e bons técnicos, têm
também determinados objetivos, aplicam determinadas estratégias de
atuação e são capazes de avaliar, segundo certos critérios, a maior ou menor
eficiência de seu trabalho (LARROSA, 1998, p.183,184).

Larrosa não vê a infância dessa forma, como algo que se pode prever e controlar com estratégias e técnicas. Para ele, a infância deve ser “entendida como um outro”, e isso não significa defini-la como o que “já se sabe” ou como o que “ainda não se sabe”, mas sim como “algo que escapa a qualquer objetivação e que se desvia de qualquer objetivo”, como “aquilo que permanece ausente e não-abrangível, brilhando sempre fora dos limites” (LARROSA, 1998, p.185).
Dessa forma, para o autor, há sempre uma presença enigmática na infância, que escapa ao que já sabemos e assim nos inquieta. E é a essa inquietação que ele nos convida a atentar, nos dispondo a escutar a essa verdade que desconhecemos, receber a essa novidade que muito virá a nos enriquecer. Larrosa nos convida, portanto, a recusar ao totalitarismo. E exemplifica:

Uma imagem do totalitarismo: o rosto daqueles que, quando olham para
uma criança, já sabem, de antemão, o que vêem e que têm de fazer com ela.
A contra-imagem poderia resultar da inversão da direção do olhar: o rosto
daqueles que são capazes de sentir sobre si mesmos o olhar enigmático de
uma criança, de perceber o que, nesse olhar, existe de inquietante para todas
suas certezas e seguranças e, apesar disso, são capazes de permanecer
atentos a esse olhar e de se sentirem responsáveis diante de sua ordem:
deves abrir, para mim, um espaço no mundo, de forma que eu possa
encontrar um lugar e elevar a minha voz! (LARROSA, 1998, p.183).
Bem, nesse ponto nos despedimos, agradecemos a todos pela agradável companhia, e deixando este novo convite: o de olhar a infância não com olhos pedagogizantes, baseados naquela tentação da pedagogia que, como define Larrosa, “lhe oferecia ser a dona do futuro e a construtora do mundo”, e que transformava alguns dos aspectos da infância em ferramentas utilizadas para se dominar “tecnicamente (pelo saber e pelo poder) as crianças que encarnavam o futuro por vir e o mundo por fabricar” (LARROSA, 1998, p. 196). Convidamos a olhar a infância com olhos brincalhões, presentes nas diversas caixas de brinquedo, caixas imprevisíveis e enigmáticas, que ao serem abertas, não contêm algo pronto, estereotipado, mas sim, peças com formas divertidas e inusitadas, de algo novo, a ser construído e inventado. E nessa construção, certamente, estará presente a possibilidade de invenção de novas histórias: histórias de infância, histórias de vida, histórias da educação.